A Sociedade Rural Brasileira é entidade de tradição centenária ligada à produção agropecuária. Referência na defesa do agro nacional e na valorização dos produtores nos mais diversos segmentos da produção agrícola e da pecuária. O atual presidente, Sérgio Bortolozzo, é produtor rural com destacada atuação no setor de grãos, com destaques para soja e milho. Em entrevista concedida ao Conexão Mundo Agro, Sérgio Bortolozzo manifesta preocupação com tendência de queda na safra 2024 com repercussão na renda do produtor. Mas o presidente da SRB também afirma que possível redução na colheita nacional de grãos não deve afetar o abastecimento do mercado nacional e o desafio do agro em 2024 é manter o Brasil como referência mundial na oferta de alimentos
Conexão Mundo Agro – Como a SRD avalia projeções não muito otimistas em relação à quebra de safra motivada, sobretudo, pelo efeito climático?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Com muita preocupação. Nós temos um setor que já vinha de certa forma com a sua rentabilidade comprometida. Os custos subiam demais e o preço caiu, embora podemos considerar que os preços internacionais sejam muito básicos: soja, dólar não é um preço tão baixo. Mas os custos elevaram muito pela dificuldade na questão de insumos. Nós falamos que quando é pra subir, sobe de elevador; e quando é pra descer os custos, ele desce de escada. Hoje a viabilidade econômica está comprometida. Um hectare de soja a um custo aproximadamente de 45 sacos de 60 quilos aqui pra nossa região num ano de El Ninõ já é alguma coisa. Quando você tem outras regiões, como o centro-oeste, basicamente ele vai produzir menos disso. O que já era uma conta muito apertada, com o fator climático isso se agrava. Nós temos que pensar num seguro de renda pro produtor rural; pra gente evitar problemas de frustrações de safras e dificuldades econômicas como essas que a gente está vivendo esse ano.
Conexão Mundo Agro – A frustração nas colheitas de soja e milho pode afetar o abastecimento interno?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Não, eu não acredito. Eu não acredito primeiro porque nós exportamos só os excedentes. No caso do milho nós exportamos 50 milhões de toneladas e produzimos 120 milhões. No caso da soja, o Brasil exporta 80 milhões de toneladas e produz 150 milhões de toneladas. Então eu vejo que esse perigo de desabastecimento não vai acontecer. Primeiro porque os preços para exportar estão menos competitivos do que o preço interno. O mercado lá fora das commodities agrícolas, como também de petróleo e ferro, estão muito achatados. Isso gera uma possibilidade maior de mercado interno. Até por uma questão natural, a produção vai ficar mais aqui dentro. Eu não vejo isso, de nenhum desabastecimento por conta da queda de safra.
Conexão Mundo Agro – No mercado internacional, a China continua sendo o principal foco, o principal alvo do agronegócio brasileiro em relação a grãos, frutas, enfim, em relação aos produtos que saem do campo?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Sem dúvida a China é o nosso principal parceiro comercial. E a gente vê isso com uma certa preocupação. Primeiro porque se a China desacelerou um pouquinho o crescimento e nós estamos sentindo isso aqui na diminuição nas compras, consequentemente gerando uma oferta muito grande no mercado e isso causa uma preocupação. Com relação aos outros produtos não. Porque o milho tem um mercado muito pulverizado. No caso da soja é bastante concentrado a nossa exportação para a China. Mas se você pensar hoje em proteína animal, em aves, em carne suína, carne bovina, tudo nós temos um leque de fornecedores e parceiros internacionais muito grande. Cada viagem com o Ministro da Agricultura faz fora, abre novos mercados; ele faz tudo isso porque é a política adequada. Agora com certeza tudo que afeta a China nos afeta diretamente, sem dúvidas.
Conexão Mundo Agro – Com a frustração de safra no Brasil, qual a consequência que terá no endividamento do setor?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Nós vamos ter que disponibilizar mais recursos pra essa safra, pra renegociar débitos e também para subvenção de seguro agrícola e evitar problemas futuros. O ministro Carlos Fávaro está fazendo um grande trabalho em busca de saída para socorrer o campo, os grandes, médios e, principalmente, os agricultores familiares.
Conexão Mundo Agro – O agro é sempre é questionado nas transformações climáticas, sobretudo quando se refere a conceitos de sustentabilidade, de baixo carbono. Como o senhor situa o segmento para enfrentar esse debate, esse desafio? O agro brasileiro está pronto para apontar caminhos de sustentabilidade e de resposta a essas demandas?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Eu acho que sim, inclusive foi muito bom você ter voltado nesse tema, porque envolve a discussão global com relação à transição energética. O Brasil, com certeza, vai ser um ator importante dessa questão da mudança energética no mundo. Nós somos sustentáveis. Em todos os setores, não é só na agricultura não. Eu acho que nós cumprimos todos os requisitos. O que falta pra gente é uma certificação disso. Os parâmetros que julgam. Por exemplo, crédito de carbono. Nós não temos dúvida nenhuma que nós da agricultura, dentro das nossas reservas legais, que é previsto no nosso código florestal, dentro da nossa cultura, nós geramos teto de carbono. Só que nós não temos ainda a certificação. Isso pode gerar pra gente mais recursos. Daqui uns dias o produtor poderá comercializar. Nossa política agora é a gente de certa forma tropicalizar esse cálculo, esse balanço de adição e sequestro de carbono, pra gente conseguir créditos e transformar isso numa renda maior pro produtor brasileiro.
Conexão Mundo Agro – A Integração Lavoura-Pecuária chegou pra ficar no Brasil?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Sem dúvida. E isso é o que a gente tem divulgado muito lá fora. ABC, agricultura de baixo carbono, você vê esse consórcio que a gente tem feito, que é muito importante pro Brasil. Eu acho que a agricultura de baixo carbono é um exemplo que todo mundo deveria seguir. Esse consórcio que nós fazemos entre agricultura e floresta é também muito importante do ponto de vista da sustentabilidade. Ou seja, é um modelo que nós temos pra exportar. Infelizmente ainda o mundo sempre nos vê, nos aplaude, mas não transforma nisso num rendimento maior do produtor brasileiro.
Conexão Mundo Agro – O que destaca como prioridade para 2024 para a Sociedade Rural Brasileira?
SÉRGIO BORTOLOZZO: Existe alguma coisa que hoje está atrapalhando um pouco o produtor e criado nele uma certa preocupação, essa questão da insegurança jurídica, essa questão do direito de propriedade, que nós tivemos vários avanços. Infelizmente essa questão do marco temporal, de demarcação de terras indígenas. Eu acho que esse é um foco que defende a iniciativa privada. Mas nós temos outras pautas também muito importantes, como por exemplo essa questão da reforma tributária. O nosso comitê tem atuado e vai continuar atuando muito firme em defesa da nossa categoria. Seguir defendendo direito de propriedade, continuar defendendo contra essa insegurança jurídica instalada. Trabalhar muito na reforma tributária. Trabalhar muito dentro dos eventos que a gente participa, por exemplo, dentro da política agrícola com seguro rural mais consistente, que assegure a renda pro produtor rural.